Faleceu Sr. Eduardo Pereira dos Santos (13.10.1942 - 04.06.2025), uma das mais
importantes personagens das lutas dos trabalhadores rurais em Feira de Santana.
Sr. Eduardo era Griô não só do Território Quilombola da
Lagoa Grande, mas também de Matinha dos Pretos, Candeal II e Moita da Onça (e
tantas outras ainda por reconhecer oficialmente) – já que as comunidades
quilombolas de Feira de Santana são, afinal, um grande território, forjado e
batalhado por gente que é “tudo parente” – como o ouvimos muitas vezes dizer. Gente
que, com sua força e ousadia, furou os bloqueios criados pelo elitismo e
racismo de Feira, impondo limites ao poder econômico e produzindo um jeito de
se orgulhar do seu lugar e de seu modo de viver.
Mas Sr. Eduardo participou de lutas e inspirou muito para
além dos limites de Feira de Santana: MOC, Sindicato dos Trabalhadores Rurais
de Feira de Santana, CONTAG, FETAG, CUT, APAEB, Associação Quilombola
Comunitária de Maria Quitéria (AQCOMAQ) são apenas alguns exemplos de
organizações de luta que contaram com sua energia, inteligência e sabedoria. A
luta pela terra na Bahia deve muito a Sr. Eduardo.
Infelizmente a Feira de Santana “oficial” não registra a
importância que Sr. Eduardo assume para sua história. A história contada de cima para baixo se esmera em esconder exemplos como o dele, que inspiraram
lutas coletivas e insistiam em dizer não
ao destino que lhes era reservado. Numa terra que tem vergonha de suas cores,
suas feiras e de sua zona rural, aliás, mesmo seus(uas) iguais são levados(as)
muitas vezes a deixar passar que aquele homem, negro, pequeno, franzino, de
jeito simples, viveu tantas coisas, guardou e dividiu tanta sabedoria, fez
parte, com suas lutas, de acontecimentos históricos centrais para as classes populares em Feira e região. Apenas um exemplo: a reviravolta popular no
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Feira de Santana, criado em 1971 para
atender os interesses dos grupos políticos conservadores e fazendeiros, mas que,
no final da década de 1970, é ocupado
pelos(as) trabalhadores(as) rurais, por meio de articulações e intensa campanha
de sindicalização, em que Sr. Eduardo teve uma importante participação[i].
A gente sempre se surpreendia quando via Sr. Eduardo pegar no
microfone para falar. Daquela pessoa de aparência frágil saía uma voz potente,
que tomava o ambiente e sempre se impunha, com a energia de quem acredita que a
luta vale a pena, cheia da sapiência rara que não se encontra nos livros.
Apesar de sua aparência frágil, continuava se fazendo presença onde houvesse
luta: nas reuniões do SINTRAF/FS sempre representava sua comunidade, nas
atividades da AQCOMAQ era um dos primeiros a chegar. E continuava cuidando de
suas galinhas, de sua roça, de sua gente, sabedor que era da potência do
produzir, a partir da terra, o alimento e a sobrevivência, como elo central da
comunidade, tornando o produzir uma forma política.
Por tudo isso, a Incubadora de Iniciativas da Economia
Popular e Solidária da UEFS também deve muito a Sr. Eduardo. Com ele a gente aprendia
sempre e muito e continuará aprendendo, pois ele permanece vivo em cada
lembrança, no seu exemplo e na sua descendência, que está aí, forte,
espelhando-se nele, continunado a fazer história.
Henrique Andrade, professor do IFBA-Feira de Santana, e
companheiro das lutas da IEPS-UEFS, compartilhou um poema inspirado em Sr.
Eduardo Pereira dos Santos, que fica aqui também registrado, em sua homenagem.
E, para quando a saudade apertar, vale relembrar suas palavras na roda de conversa "A esperança é a última que morre", que encerrou o III CIEPS - Congresso Internacional de Economia Popular e Solidária, organizado pela IEPS-UEFS, em 2021 (sua fala principal encontra-se no vídeo a partir do minuto 17:23:00)
[i] JESUS,
Tatiana Farias de. Trabalhadoras rurais de Feira de Santana: Gênero, Poder e
Luta no Sindicato (1989-2002). 2009. Dissertação (Mestrado) – Programa de
Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo,
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009.