Este ano, no entanto, o tema fundador deste lugar está estranhamente sendo evitado nos festejos, homenagens e matérias jornalísticas. Quase como uma ironia, esta é uma tarefa bem difícil: o que fez e faz Feira existir está gravado em seu nome.
Manifestação de feirantes da Marechal em 31.08.21 1 |
Isso era verdade há mais de 188 anos atrás, e assim continua
sendo. A despeito da falta de amor próprio que caracteriza nosso olhar
colonizado, ensinado a não enxergar beleza no que somos, as feiras e sua
estética – negra, feminina, desregrada, cheia de cores e barulho, viva, altiva
(feira “livre”, afinal) – resistiram ao longo dos tempos, incomodando os
projetos de “desenvolvimento” que vinham de fora anunciando o embranquecimento
da “civilização”.
Audiência Pública, realizada na Câmara de Vereadores de Feira, em 02.09.20212 |
Basta olhar para as últimas décadas desta história quase bicentenária para entender o que queremos dizer: o fim da grande feira que se espalhava pelas ruas centrais da cidade, na década de 1970, com o deslocamento de parte dos trabalhadores e trabalhadoras das ruas para o Centro de Abastecimento; na década de 1990, nova tentativa de despovoar as ruas, com a criação do “Feiraguay”; nos últimos anos assistimos o poder público municipal, mais uma vez, varrendo das ruas a gente que chamam de “sujeira”, projetando um “novo centro”, tão velho quanto o racismo e elitismo que embalavam nossa vontade de virar república, no fim do século XIX. “Feira de Santana está parecendo Paris!”, ouvia-se naquele tempo e ainda hoje, diante das obras do "novo centro", enquanto a Paris de verdade tem suas ruas cheias de gente ganhando o pão de cada dia.
Rua em Chateau Rouge, Paris 3 |
Chama atenção o quanto a história se repete em círculos e como somos incapazes de evitar os mesmos erros. Pretende-se apagar das ruas o que nos faz ser a “Cidade Comercial de Feira de Santana” (este pleonasmo já foi o nosso nome oficial, segundo a Lei Provincial n. 1.320, de 16.06.1873). A nossa vontade de ser o que não somos segue desrespeitando vidas, ricas histórias de luta e resistência e consumindo, em vão, dinheiro público. A parte da gente que “sobra”, a cada novo ciclo, volta às ruas e às lutas logo que a fome aperta (agora, como nunca), o emprego não vem, as crianças choram, a força da vida empurra as barreiras e “rapas” e ocupa os espaços que, no fundo, todos sabem que têm direito a ocupar.
Neste aniversário nos
juntemos às lutas de feirantes da Rua Marechal Deodoro para comemorar a força de resistir dessa gente importante que está no
nome de Feira de Santana. O direito à cidade e ao trabalho estão sendo
ameaçados pela Prefeitura Municipal, que determinou, às vésperas do aniversário
desta terra, a expulsão das trabalhadoras e trabalhadores destes espaços.
Um centro realmente “novo” será aquele que respeita a
história desta cidade quase bicentenária, não se envergonha dela, sabe ouvir,
abre-se às alternativas. É bom lembrar que no dia 09 de setembro último, em Audiência Pública realizada
pela Câmara de Vereadores para discutir o problema, apesar dos convites oficiais, não havia qualquer
representante do Executivo Municipal (vídeo disponível abaixo).
Uma cidade melhor e mais acolhedora para todo tipo de gente : é isso que nos faz Feira de Santana.
Créditos das fotografias:
1 Foto Ney Silva/Acordo Cidade. Disponível em: https://www.acordacidade.com.br/noticias/247887/feirantes-da-marechal-deodoro-fazem-manifestacao-em-frente-a-prefeitura-.html
2 Fonte: Grupo Luta Camelô
3 Foto Akil Wingate. Disponível em: https://www.travelmag.com/articles/shopping-chateau-rouge/)
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