sábado, 18 de setembro de 2021

Não à expulsão dos feirantes da Marechal!: o aniversário de Feira é dia de fazer jus ao seu nome

 

Hoje comemoramos o aniversário de Feira de Santana, emancipada há 188 anos atrás.

Este ano, no entanto, o tema fundador deste lugar está estranhamente sendo evitado nos festejos, homenagens e matérias jornalísticas. Quase como uma ironia, esta é uma tarefa bem difícil: o que fez e faz Feira existir está gravado em seu nome.

Manifestação de feirantes da Marechal em 31.08.21 1
Foi no caminho das boiadas que a feira começou. Caminho por onde passa gente sempre foi uma saída para a sobrevivência difícil em uma terra marcada por diferença, indiferença e escravidão. Quando a fome aperta, na falta do “emprego” anunciado na prosa do “progresso”, cada qual se vira como pode, vendendo seus doces, acarajés, beijus, farinha, a rala produção do pedacinho de terra, a bugiganga da moda, oferecendo a força do corpo para qualquer fim que se possa imaginar.

Isso era verdade há mais de 188 anos atrás, e assim continua sendo. A despeito da falta de amor próprio que caracteriza nosso olhar colonizado, ensinado a não enxergar beleza no que somos, as feiras e sua estética – negra, feminina, desregrada, cheia de cores e barulho, viva, altiva (feira “livre”, afinal) – resistiram ao longo dos tempos, incomodando os projetos de “desenvolvimento” que vinham de fora anunciando o embranquecimento da “civilização”.

Audiência Pública, realizada na Câmara de
Vereadores de Feira, em 02.09.2021
2

Basta olhar para as últimas décadas desta história quase bicentenária para entender o que queremos dizer: o fim da grande feira que se espalhava pelas ruas centrais da cidade,  na década de 1970, com o deslocamento de parte dos trabalhadores e trabalhadoras das ruas para o Centro de Abastecimento; na década de 1990, nova tentativa de despovoar as ruas, com a criação do “Feiraguay”; nos últimos anos assistimos o poder público municipal, mais uma vez, varrendo das ruas a gente que chamam de “sujeira”, projetando um “novo centro”, tão velho quanto o racismo e elitismo que embalavam nossa vontade de virar república, no fim do século XIX. “Feira de Santana está parecendo Paris!”, ouvia-se naquele tempo e ainda hoje, diante das obras do "novo centro", enquanto a Paris de verdade tem suas ruas cheias de gente ganhando o pão de cada dia.

Rua em Chateau Rouge, Paris 3

Chama atenção o quanto a história se repete em círculos e como somos incapazes de evitar os mesmos erros. Pretende-se apagar das ruas o que nos faz ser a “Cidade Comercial de Feira de Santana” (este pleonasmo já foi o nosso nome oficial, segundo a Lei Provincial n. 1.320, de 16.06.1873). A nossa vontade de ser o que não somos segue desrespeitando vidas, ricas histórias de luta e resistência e consumindo, em vão, dinheiro público. A parte da gente que “sobra”, a cada novo ciclo, volta às ruas e às lutas logo que a fome aperta (agora, como nunca), o emprego não vem, as crianças choram, a força da vida empurra as barreiras e “rapas” e ocupa os espaços que, no fundo, todos sabem que têm direito a ocupar.

Neste aniversário nos juntemos às lutas de feirantes da Rua Marechal Deodoro para comemorar a força de resistir dessa gente importante que está no nome de Feira de Santana. O direito à cidade e ao trabalho estão sendo ameaçados pela Prefeitura Municipal, que determinou, às vésperas do aniversário desta terra, a expulsão das trabalhadoras e trabalhadores destes espaços.

Um centro realmente “novo” será aquele que respeita a história desta cidade quase bicentenária, não se envergonha dela, sabe ouvir, abre-se às alternativas. É bom lembrar que no dia 09 de setembro último, em Audiência Pública realizada pela Câmara de Vereadores para discutir o problema, apesar dos convites oficiais, não havia qualquer representante do Executivo Municipal (vídeo disponível abaixo).

Uma cidade melhor e mais acolhedora para todo tipo de gente : é isso que nos faz Feira de Santana.


Equipe do Programa de Extensão e Projeto de Pesquisa Incubadora de Iniciativas da Economia Popular e Solidária da Universidade Estadual de Feira de Santana - IEPS-UEFS 




Vídeo da Audiência Pública "A Feira da Marechal e o Direito ao Trabalho" (02/09/21), realizada, em 02.09.21, pela  Comissão Permanente de Reparação, Direitos Humanos, Defesa do Consumidor e Proteção à Mulher da Câmara Municipal de Feira de Santana
(canal da Câmara Municipal de Feira de Santana no Youtube)


Créditos das fotografias:

1 Foto Ney Silva/Acordo Cidade. Disponível em: https://www.acordacidade.com.br/noticias/247887/feirantes-da-marechal-deodoro-fazem-manifestacao-em-frente-a-prefeitura-.html

2 Fonte: Grupo Luta Camelô

3 Foto Akil Wingate. Disponível em: https://www.travelmag.com/articles/shopping-chateau-rouge/)


 

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